18/08/2021
O governo do presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória sobre o mercado de combustíveis que permitirá que produtores ou importadores de etanol hidratado possam comercializá-lo diretamente com os postos, o que deverá beneficiar os consumidores com preços mais baixos, disseram autoridades nesta quarta-feira.
A MP permite a dispensa da intermediação de agentes distribuidores na comercialização do etanol usado pelos veículos flex, o que era obrigatório até a edição da medida, potencialmente afetando margens das distribuidoras.
De outro lado, a MP prevê um sistema “dual” de tributação, com o produtor recolhendo todos os impostos federais, “mitigando o risco de sonegação fiscal”, afirmaram em notas os ministérios de Minas e Energia e Agricultura.
A proposta, que ainda permite que o transportador-revendedor-retalhista (TRR) possa comercializar etanol hidratado, também equaliza os tributos federais incidentes no etanol anidro nacional e no importado, “corrigindo a distorção então existente”.
“Ao visar a diminuição do preço para o consumidor final, a MP oferecerá um alívio aos brasileiros e brasileiras em meio à presente conjuntura econômica”, disse a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em referência a uma alta nos preços dos combustíveis e pressão inflacionária.
“Damos um passo importante em benefício do consumidor”, acrescentou o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, ao discursar durante a cerimônia de assinatura da MP.
O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), entidade integrada por agentes da distribuição de combustíveis, afirmou que a associação não tem restrição à liberação da venda direta de etanol “desde que com o devido tratamento tributário que preserve a isonomia comercial e concorrencial entre os agentes econômicos, pilares para um mercado eficiente e saudável”.
“A medida trata da tributação do PIS/Cofins (tributos federais), mas o regramento do ICMS (tributo estadual) ainda há que ser acertado pelos estados da federação”, destacou o IBP.
As medidas entram em vigor a partir do quarto mês subsequente à publicação da MP, visando propiciar aos estados tempo suficiente para adequação à mudança proposta no tocante ao ICMS.
O Comsefaz, comitê que reúne os secretários estaduais de Fazenda, pontuou em nota que há uma discussão em curso sobre a mudança exigir lei estadual ou simples decreto por parte de cada estado. Ainda de acordo com o Comsefaz, a venda de etanol diretamente a posto de combustível já estava de certa forma abarcada em convênio de 1997.
Já a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), que representa as usinas no Centro-Sul, principal região produtora de etanol, afirmou preliminarmente não ser contra a medida, mas comentou que questões tributárias estavam sendo analisadas.
O ministro de Minas e Energia reiterou, durante o evento, que estados deveriam colaborar com o processo de alívio de custos dos consumidores, cobrando menores tributos.
Segundo nota da Presidência da República, para não haver renúncia de receitas, o texto prevê que as alíquotas aplicáveis à venda direta de etanol serão aquelas decorrentes da soma das alíquotas atualmente previstas para o produtor ou importador com aquelas que seriam aplicáveis ao distribuidor (Lei 9.718/98).
A MP ainda retira a desoneração tributária na venda de álcool anidro importado adicionado à gasolina pelo distribuidor quando este for importador, hipótese em que não há tributação nessa adição pelas distribuidoras. “Tal proposição tem a finalidade de equalizar a incidência tributária entre o produto nacional e o produto importado”, afirmou o governo.
Analistas e integrantes do setor ouvidos pela Reuters afirmaram que a venda direta não deve atingir os objetivos pretendidos pelo governo, como a redução dos preços dos combustíveis em grandes polos consumidores, aqueles mais distantes dos polos produtores.
Isso porque a logística para entrega do etanol nesses grandes centros é bastante complexa e demandaria investimentos por parte de produtores. Os distribuidores já possuem a infraestrutura necessária e realizam as entregas com escala.
A MP também trata da tutela regulatória da fidelidade à bandeira nos postos de combustíveis, o que gerou protestos do IBP.
Pela medida, os postos que exibem marcas de uma distribuidora poderão passar a comercializar combustíveis de outros fornecedores, desde que informado ao consumidor.
O IBP disse defender a regra atual de funcionamento do mercado de revenda de derivados, que permite a convivência entre o modelo sem exclusividade de marca e o de exclusividade. “Isso assegura aos consumidores de combustíveis de todo o país a garantia de que os produtos da marca estampada nos postos tenham origem na distribuidora com a qual o revendedor mantém uma parceria comercial”, afirma.
“Este ponto é uma premissa para uma concorrência transparente e justa. Nesse sentido, o Instituto recebe com surpresa a Medida Provisória”, declarou a associação.
Para o governo, ao flexibilizar a denominada tutela regulatória da fidelidade à bandeira, a medida estaria preservando o direito do consumidor à informação “adequada e clara” sobre os diferentes produtos e serviços.
“A medida fomenta novos arranjos de negócios entre os distribuidores de combustíveis e os revendedores varejistas”, afirma e completa: “Isso incentiva a competição no setor e estimula a entrada de novos agentes e a realização de investimentos em infraestrutura, o que pode gerar emprego e renda no país”.
Segundo o governo, a ação foi tomada a partir de deliberação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e estudos realizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) com o objetivo de aumentar a concorrência.
Sobre o tema, o Comsefaz afirmou que não haverá mudanças fiscais com a possibilidade de combustíveis de marcas diferentes serem vendidos por um mesmo posto, com as alterações sendo mais comerciais e logísticas do que tributárias.
“Resta saber se os postos tratarão os combustíveis de marcas diferentes nas mesmas bombas ou bombas separadas. Não obstante, a sistemática fiscal não é afetada, apenas a parte comercial”, disse a entidade.
Roberto Samora e Lisandra Paraguassu
Com reportagem adicional de Gabriel Araujo, Marta Nogueira e Marcela Ayres
FONTE:NOVA CANA